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diário de um quiosque

O Pacheco Pereira tornou-se uma espécie de Ardinario da política [caracteres extra para não me estragar o template do blog]

Peço desculpa, mas tenho estado ausente para informatização e televisão

quinta-feira, junho 04, 2009

Quem já teve o privilégio de passar um dia atrás do balcão de um quiosque poderá facilmente constatar que não basta pairar sobre a banca, de perna cruzada e olhar compenetrado na Lux enquanto se despacham uns quantos Records, Marias e Gigantes, para chegar ao final do dia e poder afirmar com convicção que a missão foi cumprida. O ritual de venda de um simples jornal ultrapassa muitas vezes aquela curta troca de palavras que permite satisfazer simultaneamente o cliente e o vendedor. Mesmo após a transacção ficar concluída, ou até mesmo antes que alguma das partes abra a boca, existirá sempre num quiosque um código que pressupõe a existência de um diálogo suplementar.

Suponho que não existam estudos sobre o tema, mas não andarei muito longe da verdade se afirmar que uns bons 20% dos clientes que poisam num quiosque esperam um pouco mais de interacção para além da simples troca de dinheiro por géneros, seguido de um bom dia, obrigado e volte sempre . Esse cliente só sai verdadeiramente satisfeito do quiosque se vir partilhada a sua indignação pela mais recente reforma do governo ou se conseguir ganhar pelo menos um adepto nas imediações que corrobore a sua adoração pelo mais mediático casal do actual reality show da tvi.

Ora, acontece que quando não há clientes em fila de espera junto ao estabelecimento, ou quando não se vislumbra vivalma disposta a dar crédito a um qualquer comentário adjacente, esse papel de partilha/concordância/veneração sobra invariavelmente para a “Judite de Sousa que não concluiu os seus estudos” que se encontra atrás do balcão. É então aqui que entra em acção todo um rol de conhecimentos que vai desde o último episódio da novela da tarde até ao penalty que ficou por marcar a favor do Sporting, sem esquecer nunca os devaneios da mais recente relação amorosa de Elsa Raposo.

Não é, de todo, uma tarefa fácil. Exige trabalho de casa e de quiosque, altos níveis de concentração, discurso adequado às necessidades de cada cliente e elevada capacidade de resposta. Em caso de momentânea atrapalhação, ou má preparação na matéria abordada, atirar um Ora até que enfim que encontro alguém que partilha a minha opinião poderá ser a salvação. Além de que é garantido: o cliente volta no dia seguinte.

Originalmente publicado na Revista Atlântico em Junho de 2007
posted by ardinario, 6/04/2009 07:41:00 da tarde

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